Mãe - Eugénio de Andrade




No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O retrato adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Poema à Mãe, Eugénio de Andrade

4 comentários:

    On 01 maio, 2011 Anónimo disse...

    Lindo.
    As pessoas mudam.
    Crescem.Ou não...
    Mas o amor não se altera.

    Um bom domingo
    Isabel

     

    Olá Paula,
    Quero felicitar-te pela escolha do poema - é maravilhoso!!

     
    On 02 maio, 2011 Argos disse...

    Olá Paula,

    Escolhemos o mesmo poema!
    Por norma não gosto de dias "pré definidos", mas este não podia deixar passar!

    Abraço grande

     

    Poema bem escolhido para o dia da mãe...
    O amor é mesmo assim , nem sempre é um mar de rosas...
    mas quando se ama até o sofrimento tem outro sabor...
    depois vem o tempo em que os filhos batem as asas, começando seu ninho, amando então por sua vez, seus filhos..
    Gostei, deixou-me a pensar nas verdades contidas no texto..
    abraço, joaquina

     

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