Mostrar mensagens com a etiqueta O Livro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta O Livro. Mostrar todas as mensagens
E hoje, temos como convidada Ann Yeti.


Ann Yeti
é o pseudónimo de uma autora portuguesa com raízes australianas. Tem dois livros publicados: a novela Um Fio de Sangue (Dezembro 2018 pela Emporium Editora) e o romance Um Pingo na Água (Março 2020 com a chancela Sell Out do Grupo Narrativa).

Nota pessoal da autora:
“Fui uma criança solitária mas nem por isso menos feliz. Tive por boa companhia muitas leituras e a minha imaginação. Fui, depois, uma adolescente introvertida, embrenhada nos meus pensamentos e nos muitos planos e projetos para a idade adulta. Filha única, de pais separados. Vivi entre dois continentes e viajei o mais que pude entre eles. Sempre gostei de animais. No decurso das minhas viagens tive experiências maravilhosas: nadei com golfinhos e com peixes coloridos, dei biberão a um elefante, vi leões no seu habitat natural, tive um coala ao colo e uma piton às costas (separadamente, claro). Gosto de todos os animais, até de répteis. Só não gosto de insetos. Admiro as formigas e tolero-as desde que não me entrem em casa; protejo as abelhas porque são uma riqueza natural em risco de extinção no mundo inteiro; deixo as aranhas sossegadas até aos 2cm, depois disso… zás, sapatada (mas fico cheia de remorsos). Fico histérica com besouros e baratas voadoras: corro como se não houvesse nada à frente e, por causa disso, já me ia partindo toda. Já dobrei o Cabo Bojador (leia-se, os 40). A partir daí, é sempre a velejar para baixo até ao Cabo das Tormentas! Um dia, deixei a vida agitada e exilei-me no Alentejo, longe de tudo, no meio do nada, onde o silêncio pode ser viciante. Troquei os animais exóticos pelos animais autóctones: rolas e perdizes macho a chamar as fêmeas na cumeeira do telhado, pássaros de todos os tamanhos e cores, lebres à sombra no meu recanto de meditação, uma raposa que vem roubar-me o tapete dentro de casa, javalis a restolhar junto das azinheiras próximas. E a escrita! Essa paixão antiga, esconsa, fragmentada, começou a tomar contornos mais definidos. Digo que sou uma contadora de histórias; o futuro dirá se as minhas histórias têm asas para voar.”


“Entendi este convite como um desafio, não para falar sobre o livro ou livros que mais gostei de ler ao longo da vida, esses foram muitos e variados consoante a idade e o estado de espírito, mas para falar de um livro, “o livro” do qual retirei algum ensinamento importante. Aprendi a ler muito cedo, o português em casa, com a minha mãe, que era uma ávida leitora e carregava sempre uma mala com livros para onde quer que o destino a levasse. Foi talvez com uma idade demasiado juvenil que li várias obras, romances clássicos do século XX, nessa idade em que o nosso espírito observa e absorve como um mata-borrão; e assim se abriu nas minhas mãos “O Fio da Navalha”! Por entre a escrita bem torneada de Somerset Maugham, com as suas meticulosas descrições de uma época e sociedade bonne vivante, personagens marcantes pelas melhores e piores razões, um amor recalcado e tortuoso, vislumbrei um raio de luz que haveria de me alumiar por anos vindouros: que era possível viver fora de padrões estabelecidos, de comportamentos expectáveis, de exigências sociais. “Larry”, o personagem central do romance, “contenta-se em levar a vida que escolheu e em ser apenas igual a si próprio”. Mas o verdadeiro ensinamento é que nós não podemos vestir as nossas escolhas e deixar a etiqueta do preço agarrada; ela tem de ser arrancada e temos de estar preparados para pagar o custo das nossas decisões.”


Ann Yeti
Hoje, temos como convidado da nossa rubrica, JOSÉ VIEIRA  (pseudónimo de Teresa Vieira Lobo).

JOSÉ VIEIRA é o pseudónimo de Teresa Vieira Lobo. Jovem nascida na década de 80, numa pequena localidade chamada Gaula, terra de amoras, padres, doutores e adelos. Em 2014 estreou-se no mundo da escrita com o livro “Estranhas Coincidências”. Desde então tem mantido esta paixão escrevendo contos para a revista literária Subversa ou então para a plataforma Quem conta um conto. Em 2016, numa edição de autor, lançou em ebook o seu primeiro romance Dedicação, Palavra e Honra. Adágios é o seu terceiro livro.


A Teresa, respondeu ao nosso convite de forma diferente, não mencionou apenas “O Livro”, já que para ela era difícil escolher, mas vários livros de eleição pelos diversos sentimentos que estabelecem com o leitor.


Aqui ficam os títulos escolhidos :

1) Ensaio sobre a Cegueira  - José Saramago;
2) Orgulho e preconceito - Jane Austen;
3) Capitães da areia - Jorge Amado;
4) A história do gato que ensinou a gaivota a voar - Luis Sepulveda;
5) De profundis - Oscar Wilde.



 A minha opinião do livro Adágios aqui.
Rute Simões Ribeiro é a nossa convidada de hoje!

Rute Simões Ribeiro nasceu em Coimbra, Portugal, a 17 de novembro de 1977. Ensaio sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade)», é o seu primeiro romance e foi uma das cinco obras Finalistas do Prémio LeYa 2015, com o título que recebeu originalmente, "Os Cegos e os Surdos". É licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra, especializada em Administração Hospitalar pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa, onde desenvolve um Doutoramento em Políticas de Saúde Pública e é investigadora. É mãe de dois filhos e vive atualmente em Lisboa.


Posso fazer batota? Vou fazer.
Fico sempre intimidada com o compromisso. Eu sou de tantas maneiras, tão variada, sempre em processo de completamento, há por aqui um espaço tão amplo para cá caber tudo o que chegou e encontrou lugar, que não sou competente em fazer escolhas. De qualquer modo, estudei-me e encontro dois livros que são próximos do caminho que fui fazendo na minha própria expressão literária. As Intermitências da Morte, de José Saramago, e A Morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstoi, na tradução do russo de António Pescada. Não tenho nenhuma fixação pelo fim disto que somos e sabemos, mas a exploração deste evento no campo coletivo, no caso de Saramago, e no campo individual, no caso de Tolstoi, é um trilho claro, lúcido sobre a vida, sobre a questão de todas as certezas e convenções. E isso, sim, é uma inquietação minha.


Depois, o tesouro literário em duas obras permanentes. As palavras encorpadas, altivas, cheias de Saramago. Acrobáticas. É um livro gigante, um livro-lição. Saramago escreve sem medo. E Tolstoi elevado, elegante, limpo, um passeio por um homem e nele todos nós. Trata a honestidade franqueada. Os dois experimentaram, exibindo, na coletividade e na individualidade, o que em vivos fazemos sobre a morte que antecedemos. São livros que nos estudam. A morte está a pretexto, é um empréstimo à lição, como uma maçã que faz de centro do sistema solar na mão da professora. Nada é sobre a maçã, é sobre as nossas escolhas na bolha que a orbita.
Em Saramago, o início da história acontece na suspensão do fim, num estado de «morte parada», «contrário às normas da vida». A morte “acabara”, desaparecera. Morrera? O diálogo entre o primeiro-ministro e a eminência é um atrevimento: «a igreja (…) habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar outras». A presunção, num «futuro sem morte», de «um deus ausente». E a necessidade da morte, alcançável no outro lado da fronteira, onde ainda estava «em vigor»: «os mortos tinham querido morrer», «se não voltarmos a morrer não temos futuro». Saramago dá, por fim, corpo à morte, personifica-a, fá-la enamorar-se de um violoncelista, desapegado de todas as convenções da narrativa: «a morte soube o que era ter um cão no regaço». Ela «é discreta, prefere que não se dê pela sua presença, especialmente se as circunstâncias a obrigam a sair à rua» e procede a operações de «falecimento-pelo-correio». O inigualável sarcasmo: «Somos testemunhas fidedignas de que a morte é um esqueleto embrulhado num lençol, mora numa sala fria (…) com grandes gavetões recheados de verbetes». Os diálogos extraordinários: «Não se rale, senhora morte (…), temos andado a ver quem se cansava primeiro, se a senhora ou nós, compreendo o seu desgosto»; «tua irremediável humanidade»; «parada diante do espelho. Não sabe quem é». E o fim sem fim, igual ao princípio: «No dia seguinte ninguém morreu».
Se Saramago escancara, Tolstoi insinua. Em A Morte de Ivan Ilitch, há a morte de um homem e a vida que a antecede. Não só os factos, mas a sua apreciação, a observação dos critérios e emoções que orientaram decisões, escolhas e resignações, ao longo de uma vida «simples e vulgar e por isso a mais horrível». Há mais neste livro do que as linhas que foram escritas: «cometera alguns actos que a princípio lhe pareciam vis (…) mas depois, vendo como (…) eram cometidos e altamente considerados por pessoas de elevada posição (…) deixou de se afligir ao recordá-los»; «Ivan Ilitch nunca abusava do seu poder; (…) mas a consciência desse poder, a possibilidade de suavizá-lo constituíam para ele o principal interesse e atractivo do seu novo cargo»; «assumiu para com o governo um tom de leve descontentamento, de liberalismo moderado»; «fez um favor a si próprio ao obter aquela esposa», mas «a mulher, sem qualquer razão (…) começou a perturbar o prazer e o decoro da vida: (…) exigia atenções para consigo». Ivan Ilitch é um homem que se moldou às convenções da vida, até que se encontra com a ideia da morte: «onde estarei eu quando não existir? Será isso morrer?» e conflitua com a ilusão do controlo: «sabia que estava a morrer, mas (…) não estava acostumado a isso». A caminho do final (do livro e da sua vida), assistimos a um diálogo interior, a uma luta argumentativa consigo próprio e perante os outros, de razões e emoções, porque as que acumulara durante a vida não lhe serviam agora: «o medonho acto da sua morte era rebaixado por todos (…), com esse mesmo “decoro” com que ele servira ao longo de toda a sua vida», «de repente sentiu toda a fraqueza daquilo que defendia». No último capítulo do livro, estamos na pele de Ivan Ilitch, sofremos por ele (por nós?), no momento em que a morte lhe vem, o toma, o faz transcender a vida. Ao contrário dos que deixa para trás (na vida), Ivan tem tempo de perceber que afinal tudo está bem, que se “acabara” a morte, que deixara de existir, assim que chegou.
Em Saramago, há uma morte parada, que se ausenta, que transtorna por inexistir. Em Tolstoi, há uma morte inexorável, inevitável, que incomoda por estar a vir. Em As Intermitências da Morte, é querida; em A Morte de Ivan Ilith é temida. Se no primeiro, ela se suspende e no segundo, ela chega, elas (as mortes) são, porém, iguais. Nos dois exercícios, a morte afinal inexiste, só a ideia dela é. Contentemo-nos com a vida, então.

Mas cedo ainda à minha natureza - incapaz de seleção - e a outros livros da minha vida, porque também me compõem. A Sibila de Agustina Bessa-Luís, pela plenitude e acuidade semântica, pelo depósito da humanidade inteira em meia dúzia de linhas. Não haverá nunca quem venha a escrever como ela. E o remorso de baltazar serapião, de Valter Hugo Mãe, pelo furação de livro que era preciso ser escrito, em construções frásicas que ninguém, para além dele, consegue fazer com que fiquem bem. A Queda, de Camus, na tradução de José Terra, pelo ritmo de uma confissão, num perfeito discurso monológico (não sei se esta palavra existe, mas faz-me falta). Capitães da Areia, de Jorge Amado, que me ensinou a necessidade das palavras simples. Contou, sem a aflição da perfeição, as coisas que todos precisamos ler.

Daqui a cinco anos, voltem a perguntar, sim? ;) “






Joel Neto é o nosso convidado de hoje!! Quase dispensa apresentações, pois muito já se ouviu falar dos seus romances mais recentes: "Arquipélago" e "A Vida no Campo" são obras que têm sido muito discutidas e divulgadas! É Açoriano, natural de Angra do Heroísmo e escrever sempre foi uma prioridade. 
O Joel, traz-nos um livro que o marcou e que também é um marco na história da literatura - Gente Feliz com Lágrimas de João de Melo.






“A miséria, sendo muito outra, era só coisa de espírito. Crescia no coração dos meus pais, como a hera dos muros ou o trevo nos pastos, e chamava-se avareza. O pão endurecia durante quinze dias e ganhava bolor – porque o forno gastava lenha! O leite que devia calcificar-nos os dentes e os ossos era para vender à fábrica: depois ficávamos a implorar uma fatia de pão de trigo com manteiga de vaca,uma lâmina de queijo com pão da loja à merenda, e nada: segundo a mãe, isso era comida de ricos.” 

Completaram-se já vinte e cinco anos sobre a publicação original de “Gente Feliz Com Lágrimas”, e as edições já ultrapassaram as vinte e cinco também – fora traduções. O livro venceu o Grande Prémio Romance de Novela APE de 1989, batendo o favoritíssimo “Missa In Albis” (Maria Velho da Costa), e mantém-se não só um dos mais importantes da literatura centrada no imaginário açoriano, mas uma das minhas primeiras e mais incontornáveis referências, como escritor e como homem. Alguns dos mais importantes louvores declararam-no herdeiro do chamado realismo mágico, à maneira de García Márquez ou Scorza e, antes destes, Uslar Pietri. Sê-lo-á, porventura, no modo como transporta para os Açores dos anos 1950/1960 uma parte da atmosfera fantástica – embora mais no domínio do estranho do que do maravilhoso – que povoou boa parte da melhor literatura sul-americana desse mesmo período. Quanto ao resto, dificilmente haverá alguma coisa de mágico no arquipélago de João de Melo,
a não ser eventualmente a paisagem e – essa, sim – a experiência da linguagem, pisando a cada instante os territórios da poesia. Falamos sobretudo de um marco colossal da literatura portuguesa do século XX – o século do povo e da fuga – e, seguramente, da mais importante referência da literatura das ilhas desde (pelo menos) “Mau Tempo no Canal”. Em causa está, agora, não já talvez esse princípio nemesiano de que, para o povo dos Açores, a geografia é tão importante como a história, mas muito mais a ideia universal e universalista de que cada homem é uma ilha, partilhada também notoriamente por Saramago. O que não deixa, em todo o caso, de constituir um discurso sobre a geografia e a sua relação com a história, aqui interiores e amalgamadas numa só impressão não totalmente definível. Numa São Miguel escondida por detrás das montanhas, num lugarejo de onde não se vai a Ponta Delgada mais do que uma vez ao ano, três irmãos suportam uma infância de brutalidade e carência, às ordens de pais frequentemente desterrados num mundo só deles. Proporcionam-se-lhes, em diferentes momentos da adolescência, fugas distintas: a vida monástica à rapariga, o seminário ao mais novo e o exército ao mais velho. À sua maneira, cada um se encarregará de detonar também essa escapatória – e todas as três vidas acabarão por redundar em mosaicos particulares de sucessivas evasões. Em pano de fundo estão, à vez, a impossibilidade de permanecer ali mais um instante que seja, entre homens brutais só esporadicamente capazes de um gesto de ternura, e a tentação do regresso, menos como evasão aos homens mansos só esporadicamente capazes de matar, tantas vezes íntimos das grandes cidades, do que à procura daquilo que ficou por dizer, da possibilidade não manifestada antes. A emigração, imposta ou não, é porém tragédia igual para um pescador levado para Massachusetts como para um bolseiro bem instalado em Princeton. Deixa as suas marcas indeléveis e inapagáveis – e intromete-se nas leis da termodinâmica. A infância é irrepetível, no espaço como no tempo, e a circunstância virá a baralhar os dados à disposição de Nuno Miguel, Maria Amélia e Luís Miguel. Ecos de Freud insinuam-se quando Nuno, personagem principal, dá por si a mimetizar atitudes recorrentes do pai, o primeiro algoz da sua infância. Todo o mal está na família, como todo o bem também: ela leva-nos ao colo e é a bola de ferro presa ao nosso pé. O poder do progenitor permanece, por isso, inexpugnável, e lidar com esse poder uma missão para concretizar à primeira tentativa. Nuno Miguel falhou e acaba por transportá-la ao longo da vida toda, incompleta. Incompleto. Um romance monumental – eis o essencial. Do título à nota com que encerra, e mesmo se nem sempre é fácil encontrar-lhe a melodia. Ou precisamente por causa disso. Narrativa polifónica, feita de fragmentos e memórias descontínuas, a cada instante determinada a somar centros de consciência, “Gente Feliz Com Lágrimas” mantém as costuras à vista, e talvez seja essa a sua suprema virtude. Escrito na primeira pessoa (embora, de certa maneira, o discurso de Marta sobre Nuno Miguel, o marido, constitua mais uma declinação para o ladrilho modernista), de modo a que, a dada altura, as personagens possam confundir-se umas com as outras – e o escritor com elas –, combina imagens de profunda riqueza com metáforas menos concretizadas e frases de métrica escorreita com rimas aparentemente a despropósito, numa opção técnica que, mais do que emular o modo atabalhoado de pensar das pessoas verdadeiras, convocando os princípios do chamado fluxo da consciência, constitui o rosto da sua visceralidade e do seu sangue. “A dor é assim uma nuvem perdida, e vem de dentro para fora. Por um instante, sente que ela se afia em si, num qualquer órgão inlocalizado do corpo. Depois é como se se tivesse convertido numa lâmina cega. Uma lâmina que se desloca de mansinho entre a pele e a carne, ou entre a infância e a ferida que agora se põe a boiar e depois se lhe atravessa toda no olhar.” Eis, pois, o grande enunciado “também” – e perdoe-me João de Melo se pareço acantoná-lo, coisa que ele nunca pretendeu nem merece – de muito do que fora antes dele e de outro tanto do que seria depois a literatura açoriana, de Antero a Cristóvão de Aguiar, de Roberto de Mesquita a Daniel de Sá, de Nemésio (sempre ele) a Dias de Melo, de Natália a Álamo Oliveira e de tantos outros a tantos mais ainda. O grande manifesto identitário de uma geografia que é, antes do mais e por direito próprio, um olhar sobre o mundo.

Joel Neto
Hoje, temos como convidado da nossa rubrica Eric Frattini.

Eric Frattini foi correspondente no Médio Oriente e residiu em Beirute e Jerusalém. É autor de mais de uma vintena de ensaios, entre os quais se conta Os Papas e o Sexoe o recente Mossad. A sua obra foi traduzida para várias línguas e editada em 47 países.
Realizador e guionista de dezenas de documentários de investigação para as principais cadeias espanholas de televisão, colabora assiduamente em diferentes programas de rádio e TV. Ministra frequentemente cursos e conferências sobre segurança e terrorismo islâmico a várias forças policiais, de segurança e inteligência de Espanha, Grã-Bretanha, Portugal, Roménia e Estados Unidos.
Ouro do Inferno é o seu terceiro romance. Os anteriores, El Quinto Mandamiento e O Labirinto de Água, foram ambos traduzidos para 14 línguas.*

O Eric, respondeu ao nosso convite de forma diferente, não mencionou apenas “O Livro”, mas vários livros para com os quais tem um carinho especial.
Aqui ficam os títulos escolhidos



Hola Paula
El Arpa de Hierba y A Sangre Fría de Truman Capote, Querelle de Brest de Jean Genet Taipi de Hermann Melville, Expedicion KonTiki de Thor Heyerdahl, Aventuras de tres rusos y tres ingleses en el África Austral de Julio Verne.


* informação retirada da Wook
A nossa convidada de hoje é a escritora Romana Petri.
Romana Petri nasceu em Roma, onde vive. Tradutora, crítica literária, escreve regularmente para várias revistas e jornais italianos entre os quais, L’Unitá e Il Messagero di Roma. É actualmente também editora, responsável pela divulgação da literatura portuguesa em Itália. 
Considerada uma das vozes mais representativas da actual escrita italiana, inicia a sua carreira literária em 1990 com Il gambero blu e altri racconti (Prémio Rapallo e Prémio Mondello opera prima). Entre as suas obras mais aclamadas destacam-se Uma Guerra na Umbria - Case Venir, Prémio Rapallo-Carige, finalista Prémio Strega 1998, A Senhora dos Açores, Prémio Grinzane Cavour 2002; e Os Pais dos Outros, Prémio Chiara e Prémio CittàdiBari. Os seus livros estão traduzidos em português, inglês, francês, alemão e neerdlandês.*


"O livro que mudou a minha vida foi a Odisseia de Homero. Contudo, o meu primeiro contacto com a sua história não foi através da sua leitura, mas sim escutando-a. Eu tinha somente quatro anos e quem me a contou foi o meu pai nas primeiras horas de uma manha de Verão, ao mesmo tempo em que nadava comigo
nas suas costas. Nadou durante 3 horas sempre comigo junto dele, e eu fiquei deslumbrada pela beleza do tema que entretanto me narrava: a vingança. Era a história de um homem que não conseguia regressar à sua terra e que durante muitos anos teve de permanecer longe da mulher e do seu filho ainda que contasse com a ajuda da deusa Atena. As coisas que lhe aconteceram eram aos meus olhos surpreendentes, extraordinárias. Eu escutava o relato plena de entusiasmo e com a impressão de ser eu própria aquele filho que quase não se lembrava do seu pai e que tinha ido à procura dele para que a sua mãe não voltasse novamente a casar.

O meu pai foi um actor e cantor lírico, o seu nome era Mario Petri. Possuía uma grande habilidade para contar historias. Era tão bom a contá-las que eu chegava ao ponto de me confundir com as suas personagens. E durante aquela tarde na água, à medida que nos afastávamos da terra firme em direcção a um horizonte líquido, foi isso mesmo que me aconteceu: tornei-me Telemaco, que ajudava o seu pai na luta contra os pretendentes da sua mãe. No final, convenci-me de que fomos nós dois juntos, que os matamos. Só muitos anos depois li finalmente o livro. E na primeira leitura que fiz dele (depois fiz muitas mais, e ainda hoje continuo a relê-lo) tive a sensação, não de ler, mas de ver a historia, de a visualizar em imagens nítidas. E foi assim que aprendi que a literatura não é uma coisa que permanece no exterior da nossa vida, mais sim uma coisa verdadeiramente nossa, que nos mudamos e moldamos ao ponto de não haver dois leitores a lerem o mesma historia, porque cada um consegue entreter-se e reescreve-la a cada leitura."

Romana Petri
* informação retirada da wook
O convidado de hoje é João Pinto Coelho, o autor do magnífico livro "Perguntem a Sarah Gross" (se não lerem têm de o ler! Aconselho sem reservas!). O João Pinto, nasceu em de terras de sua majestade em 1967, mas não ficou por lá, apesar de ter vivido algum tempo nos Estados Unidos da América, é em Lisboa que passa a maior parte do seu tempo! Quis a vida que Auschwitz estivesse no seu caminho quando desenvolveu projectos que o levaram à Polónia e aos campos de concentração. Podem ler mais, sobre o autor aqui


Título: Se Isto é um Homem
Autor: Primo Levi
Tradução: Simonetta Neto
Editora: Dom Quixote, 2010

Levi ensinou-me que as histórias do Holocausto terminam sempre com perguntas. 
E, sim, é bárbaro escrever Poesia depois de Auschwitz, mas vejam: é possível! Costumo pegar neste excerto e dizer ao mundo o quanto gostava de ter sido eu a escrevê-lo:
E veio a noite, e foi uma noite tal, que se sabe que olhos humanos não deveriam assistir e sobreviver. Todos sentiram isso: nenhum dos guardas, quer italianos, quer alemães, teve a coragem de vir ver que coisas fazem os homens quando sabem que vão morrer. Cada um se despediu da vida da maneira que melhor sabia. Alguns rezaram, outros beberam além da conta, outros inebriaram-se numa nefasta e última paixão. Mas as mães mantiveram-se acordadas e prepararam, com cuidado amoroso, o alimento para a viagem, lavaram os seus meninos e prepararam as bagagens; ao raiar do dia, o arame farpado estava cheio de roupas de criança estendidas ao vento, a secar; e não esqueceram as fraldas, e os brinquedos, e os travesseiros, e centenas de outras pequenas coisas das quais as crianças sempre necessitam. Não fariam também vocês a mesma coisa? Se fossem morrer amanhã com os vossos filhos, não lhes dariam hoje de comer?” 

Auschwitz, ele mesmo um lancinante grito acusatório, silencia-nos. O paradoxo está no léxico que ardeu com os corpos, perdido com eles pelas torres crematórias do lager. Levi faz o impossível e retorna ao absurdo com lucidez. Em Se Isto é Um Homem, as palavras, substituídas pela redundância da dúvida, significam sempre outra coisa, porque o inverno e a fome são “palavras inventadas por homens livres”, homens que não conheceram Auschwitz. Levi encara o perpetrador e a vítima, o Muselmann, a zona cinzenta de cada homem ou os vestígios que dele restam. Esse exercício é uma agressão que nos convoca em cada página para o lugar da iniquidade, impondo-nos uma introspeção em cada uma das suas frases.
Porque cada homem é morada do seu próprio desconhecido.

João Pinto Coelho
Filipa Fonseca Silva, é a nossa convidada. Acho que todos já a conhecem, foi a primeira autora portuguesa entrar para o top 100 da Amazon com a obra "Os 30 - Nada é Como Sonhámos. A Bertrand publicou este mês "O Estranho Ano de Vanessa", o seu segundo romance. A Filipa nasceu no Barreiro e actualmente vive em Lisboa.





O Livro” aquele que para mim é único – “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago




Há incontáveis livros que fazem parte da minha vida, desde “As Fábulas de La Fontaine” e os contos dos irmãos Grimm, que “lia” na infância, aos livros da Alice Vieira, que comecei a devorar por volta dos oito anos, à Isabel Allende ou à Marion Zimmer Bradley, cujas heroínas me deliciavam na adolescência, e tantos clássicos da literatura que foram enchendo a minha estante e o meu imaginário, e onde têm papel de destaque Eça de Queirós, Dostoievsky, Kafka ou Garcia Marquez. Contudo, há um livro que me marcou profundamente e que nunca mais me saiu da cabeça: o “Ensaio sobre a Cegueira”.
Até ao Verão de 2007 costumava dizer que não gostava de Saramago. Gostava das crónicas, mas não conseguia ler os seus romances. Penso que foi trauma de jovem de 18 anos, com a mania que conseguia ler tudo, e que se atirou ao "Memorial do Convento" sem preparação. Só que às tantas, esse facto começou a incomodar-me e a envergonhar-me até. Como não ler Saramago? Que falha imperdoável numa leitora voraz, que, ainda por cima, desde criança sonhava em dedicar-se à escrita!
Assim, comecei por perguntar a amigos que eram fãs do escritor, que livro me aconselhavam para iniciar a minha viagem saramaguiana e, aproveitando umas férias de três semanas, levei o “Ensaio” na bagagem, decidida a lê-lo custasse o que custasse.
E custou-me muito. Custou-me ver ali retratada toda a humanidade ou falta dela. Custou-me ver o melhor e o pior dos seres humanos. Custou-me sair daquela prisão, daquele supermercado, daquela casa onde todos partilhavam a mesma banheira. Mas ler, avançar pelas páginas, apreciar cada escolha de palavras, cada sentido despertado, cada personagem, não custou mesmo nada. Pelo contrário, foi um prazer intenso e difícil de igualar.
Desde então, decidi ler um Saramago por ano, até conseguir ler toda a sua obra. E a cada um que leio cresce a certeza de que Saramago é e será sempre um dos maiores escritores da história da literatura. Ainda não cheguei nem a metade da vasta obra que felizmente nos deixou, e o “Memorial” continua a desafiar-me na prateleira, mas não preciso ler nenhum outro para poder afirmar que o “Ensaio sobre a Cegueira” é “O Livro”.

Filipa Fonseca Silva

Foto by Vera Marmelo
Pedro Guilherme-Moreira é um dos autores mais promissores do nosso país. É diferente e arrojado. Pudemos constatar isso mesmo no seu primeiro romance "A Manhã do Mundo" e estamos certos que ficaremos surpreendidos com a ficção lançada há poucas semanas "Livro sem Ninguém".
Aqui está a escolha do escritor portuense, detentor de uma alma imensa.


"Relendo "O meu pé de laranja lima", envergonhado. O meu primeiro livro "a sério", não infantil nem juvenil, que eu levava pelos corredores do colégio para ter força e me sentir menos sozinho aos doze anos. O Zezé
era o meu tronco e falava comigo. Tenho vergonha de não ter relido antes, porque está cá tudo, e até parece simples. Comove e faz rir a cada página. Eu não sabia chorar como crescido antes do Mauro mo ter ensinado. Tem um poema ao pai que é uma merda, dizia o pai. Eu queria concorrer com ele a um concurso literário que também era para crescidos. Era preciso passar à máquina, mas o pai negou, que o poema era uma merda. Eu lia e relia e parecia-me bem, eu era um rio e o pai estava na foz. Passei-o à mão com o joelho no paralelo e a folha sobre um banco de cimento e pedi ao júri dispensa de forma. As lágrimas corriam, eu pensava que ainda eram lágrimas de menino, mas o Mauro, o Zezé e, principalmente, o tio Edmundo, disseram que era direito fundamental, que qualquer homem choraria nessa circunstância. Não quero contar muito mais, para já. Apenas que quem ganhou aquele concurso literário de crescidos foram dois meninos ex-aequo: um de treze anos que se chamava Paulo Rangel, e um de doze que se chamava eu. Eu levava "O meu pé de laranja lima" na mão quando fui receber o prémio."


Pedro Guilherme-Moreira

Patrícia Reis nasceu em 1970 e estudou História e História de Arte e Comunicação Empresarial. O seu trajecto no jornalismo iniciou-se em 1988 no semanário O Independente. Esteve depois na revista Sábado e realizou um estágio na revista norte-americana Time, em Nova Iorque. Foi jornalista do semanário Expresso, fez a produção do programa de televisão Sexualidades, trabalhou na revista Marie Claire, na Elle e nos projectos especiais do diário Público.
Publicou a novela Cruz das Almas (2004) e os romances Amor em Segunda Mão (2006) e Morder-te o Coração (2007), que integrou a lista de 50 livros finalistas do Prémio Portugal Telecom de Literatura, No Silêncio de Deus (2008) e a novela Antes de Ser Feliz (2009). É ainda autora da biografia de Vasco Santana (2004) e do romance fotográfico Beija-me (2006, em co-autoria com João Vilhena). Editora da revista Egoísta, Patrícia Reis é sócia do atelier de design e texto 004, participando em projectos de natureza muito variada, nomeadamente na concepção e conteúdos de livros institucionais. É ainda autora da colecção infanto-juvenil Diário do Micas e de dois livros infantis, todos com o selo do Plano Nacional de Leitura. Em 2011 escreveu por Este Mundo Acima. Contracorpo (2012) é o seu mais recente romance.

*informação retirada da editora D. Quixote
Foto de Alfredo Cunha


Caríssimo Senhor Henry James

Escrevo-lhe ao chegar da tarde do primeiro dia de Primavera. O sol mostrou-se em Lisboa com alguma timidez, mas apesar disso, rejubilamos. A casa está em silêncio e é oportuno deixar-lhe estas linhas agora antes que os afazeres diários me atropelem e perca esta possibilidade. 

Tenho o seu livro na minha mesa de cabeceira há mais de vinte anos. Não sei quantos exemplares já ofereci,
na verdade poucos, não conheço muitas pessoas capazes de chegarem a esta elevação. Chamo-lhe elevação porque, de certa forma, a “Fera”, como carinhosamente é conhecida aqui em casa, só ataca alguns e, quando o faz, é de forma quase letal. Fica connosco. Podia ter na mesa de cabeceira outros – e tenho – porém o seu livro, este livro, é diferente. Serve-me como memória e espelha um exemplo. Todos os dias o encaro com desânimo ou entusiasmo. Depende do que me acontece.

Quererá saber porquê. Sei que gosta de uma boa história e que é um ouvinte treinado para as miudezas do mundo, essas que, porventura, utilizou para a ficção e para a dramaturgia. Esqueçamos a dramaturgia? Certo, o fracasso nunca é de louvar. Posso garantir-lhe que o desapontamento que sofreu nos palcos de Londres e arredores, no seu tempo, não são verdades de hoje. Os seus livros tornaram-se filmes, as suas peças encenam-se amiúde. Quer saber se o mesmo se passa com Oscar Wilde? Vejo que o trauma permanece. Oscar Wilde, como quase todas as figuras capazes de fugir ao padrão da época, era irresistível ao grande público. Para si não o seria. Compreendo. Deixemos isso, então. Voltemos à “Fera” e à razão que me leva a escrever-lhe.

Convivi estes anos todos com o seu John Marcher e a sua amiga, a senhora May Bartram. Por vezes regresso à história deste desencontro e aprendo sempre alguma coisa. Marcher serve-me de modelo: um homem que viveu a vida pela metade, convicto de que estava destinado a algo maior, incapaz de amar e reconhecer esse amor. “A solução teria sido amá-la; então, e só então, ele teria vivido”, conclui quase no fim da “Fera”. A pequena lombada que vislumbro da minha cama recorda-me que tenho de estar atenta às coisas do mundo, à “expressão dos afectos” à minha volta, aos que se aproximam e ficam. Se calha a sofrer do síndrome de Marcher, como lhe chamo, penalizo-me de forma brutal. É fácil ser-se egocêntrico, viver na permanente admiração do nosso umbigo. Perdoe-me, não será uma expressão do seu tempo. Seja como for, vejo a “Fera” e tento redimir-me. Em vez de me encolher na minha convicção de justiça e grandeza, procuro desfazer-me e estar disponível. Não como May Bartram, repare, porque o excesso de amor não me convêm. Ou melhor, não convêm a este século XXI. Nunca senti qualquer espécie de piedade por May Bartram, sempre a considerei altruísta e magnânime nos seus sentimentos, contudo demasiado contida para o meu gosto. Se fosse eu, teria gritado o meu amor por Marcher, teria sofrido mais e a amizade terminaria, estou certa. Quando li a sua história pela primeira vez, Senhor James, chorei e continuo a chorar.

É-me incompreensível  a ideia de paixão e a sua conjugação com a frieza e a distância: como é que podem conviver no mesmo tempo e espaço? Como é que gestos delicados e despojamento não são entendidos como entrega total? O amor está em desuso. As relações entre as pessoas não são, em nada, similares às do seu tempo. Há uma liberdade que nos é agradável e uma quebra de regras de cavalheirismo que, decerto, teria dificuldade em aprovar. Pouco importa, porque a sua “Fera” quando ataca um leitor dos dias de hoje permanece com a mesma força de sempre. Espero que isso lhe traga algum contentamento.

Passei a entender John e May de outra forma depois de ler “Autor, autor” de David Lodge, um inglês, como o senhor. Sim, peço desculpa, o senhor pediu a nacionalidade depois da Primeira Guerra Mundial como forma de solidariedade para com os Aliados. Ao mesmo tempo, acredito que ser norte-americano não estivesse de acordo com a sua natureza. Não sei porque lhe escrevo isto, se me engano, peço desculpa. O livro de Lodge é-lhe dedicado. O senhor, tão discreto e sedento da sua privacidade, não gostaria da biografia ficcionada que este escritor imaginou, partindo apenas do pouco que se sabe. O livro começa com duas epígrafes, uma delas sua, retirada do livro “Middle Years” e reza assim: “Trabalhamos no escuro – fazemos o que podemos – damos o que temos. A nossa dúvida é a nossa paixão e a nossa paixão é o nosso trabalho. O resto é a loucura da arte”. Fui à procura deste livro e, como aconteceu com os restantes, devorei-o palavra por palavra.  É um texto que podia, de certa forma, ter sido escrito ontem. Leio qualquer obra assinada por si como se tivesse sido escrito para mim, lamento a ousadia. Ao mesmo tempo, percebi que a sua devoção à Literatura e o seu temor pelas questões financeiras - sempre difíceis, sempre actuais - o afastou de uma vida em pleno.

Com o livro de David Lodge aprendi muito e comecei a vê-lo, a si, caro James, como outra personagem, se quiser mais próximo de John Marcher. Não fiquei desapontada, não se preocupe. Apenas entendi melhor a sua forma de estar. O alheamento face às coisas da vida, as coisas comuns. Descobri May Bartram em Constance Fenimore Woolson. Não se ofenda. Não o culpabilizo pela morte de Constance, mas julgo que só a sua amizade o poderia ter levado a escrever a “Fera”. É um símbolo, uma metáfora da sua relação com Constance, não é? Escusa de responder. Não sou a primeira a especular sobre a vossa amizade, não serei a última.

Ao contrário do que antevia, o senhor é estudado e lido à exaustão. O que não sucedeu então, vive-se agora.

Jorge Luís Borges, um escritor que não teve ocasião de ler, compilou uma colecção de literatura fantástica e dedicou um volume inteiro à sua obra. Chamou-lhe, como um dos seus contos, “Os Amigos dos Amigos”. No prefácio desse volume, Borges considera-o, caro James, tão grande quanto Kafka, Kipling ou Tolstoi. Diria que, no mínimo, há um conforto neste sucesso póstumo porque a forma única de observação da sociedade, os enredos que congeminou e toda a sua arte, a sua paixão, deixam eco na história da Literatura.

Na minha primeira viagem a Veneza procurei a casa que Constance alugou, os cafés que frequentaram, visitei a Academia e os Ticianos. Pensei muito em si. Sei como gostava de Itália. Compreendo agora como fugiu a uma viagem para não se confrontar com a sua amiga. Tenho procurado as obras dela, especialmente “Anne” de 1880, mas sem qualquer sucesso. Talvez não tenha pesquisado com o afinco devido. Confesso-lhe a minha imensa curiosidade. Não o acuso de inveja, já que ela teve algum êxito e vendas significativas numa época em que o senhor sofreu diferentes golpes terríveis. Não lhe escrevo para defender Constance. Contudo, depois de entender a relação que mantiveram ao longo dos anos, o facto de nenhum dos dois ter casado, e do senhor ter queimado a correspondência que trocou com ela, obrigando-a ao mesmo gesto, acredito que a “Fera” possa ter outro significado. Quer isto dizer que o senhor foi incapaz de amar? A paixão que o tomou foi a da Literatura e por ela abdicou de tudo o mais. Estou certa? Mais uma vez, não precisa de me responder.

Aguça a minha curiosidade o facto de saber que se encarregou a tempo de fazer desaparecer provas e pistas sobre a sua vida, a sua intimidade. Receava o quê? O escrutínio público e a devassa que tanto afectaram o seu contemporâneo e suposto rival, Oscar Wilde? Duvido. Estou convicta de que a sua personalidade assentava numa ideia de representação ou, se preferir, de efabulação da realidade, sem se confundir com as suas personagens, resguardando-se numa imagem discreta, elegante, sem ser sinuosa. Faz-me lembrar uma lição de outros tempos em que era pequenina: disse-me, então, o meu tio-avô, seu devoto, que nunca temos a percepção do que somos porque só nos vemos ao espelho. Só os outros é que nos vêem como somos, vêem as nossas acções, os nossos gestos, percebem a nossa linguagem corporal antes de nós.  São os nossos olhos. A esta luz, pergunto-me se o senhor não quereria o sucesso literário, o reconhecimento público, o respectivo encaixe financeiro e ainda, e sempre, uma imagem de algum mistério. Ficaram famosas as suas queimadas, milhares de documentos que hoje fariam com que o fio da sua história fosse possível de percorrer. Estamos no fio de arame, sem rede, no domínio da especulação, até certo ponto. É pena, garanto-lhe.

Não se preocupou com a efemeridade da sua obra e - deixe-me dizer-lhe - fez mal. Restam-nos os vinte romances que escreveu, cento e doze contos, doze peças de teatro e, ainda, alguns artigos de crítica literária. É pouco, terá de concordar.  Por outro lado, a sua aposta alta na Literatura rendeu. Antes de morrer, sem condições de tal cerimónia, foi-lhe entregue a Medalha de Ordem de Mérito de Sua Majestade. Estou certa de que se a lucidez permitisse, o gesto seria uma espécie de conclusão e conquista final. O senhor, caro James, não passou impune neste mundo. Quem sabe se passará nesse onde agora está. Como me disse uma vez Agustina Bessa-Luís, uma escritora portuguesa que acredita ser mais conhecida do que lida, daqui lhe mando um aceno de cabeça e lhe agradeço a gentileza de ter escrito para mim. Egoisticamente é o que me ocorre. Espero que não me leve a mal.
Cumprimentos


Patrícia Reis
21 de Março de 2010


Nascido a 29 de Junho de 1979 na cidade de Ponta Delgada, Pedro Filipe Almeida Maia esteve desde muito jovem ligado ao mundo das artes, principalmente à música. Iniciou a sua experiência na escrita como letrista, através de poemas para música de projectos aos quais estava ligado, actividade que ainda mantém na actualidade.

A escrita de ficção era uma pretensão quase oculta, que mais não passava de alguns rascunhos guardados numa gaveta. A abertura do I Concurso Literário “Letras em Movimento” — organizado em 2010 pela Associação Ilhas em Movimento — despertou essa faceta. O romance a concurso "Bom Tempo no Canal – A Conspiração da Energia" foi vencedor, tendo sido editado em Junho de 2012, com 2ª edição em Março de 2013.

Também contribui como cronista para o semanário Jornal Terra Nostra, na rubrica “Pavilhão Auricular”, com artigos de opinião relacionados com a agenda cultural do arquipélago dos Açores, com especial incidência sobre a música.



“O Livro”, aquele que para mim é único – Siddhartha, Hermann Hesse

Escolher “o livro” da minha vida é como ter de dizer qual a parte do corpo que mais me faz falta: cada um(a) provocou crescimento em momentos e medidas diferentes do meu percurso.
A busca pela plenitude espiritual é um trilho acidentado, mas o escritor alemão Hermann Hesse conseguiu
transferir essa jornada de uma forma majestosa em "Siddhartha". Encontrou inspiração na sua própria visita à Índia para transpor a procura pelo estado da mente harmonizada através de uma personagem apaixonante.
Jovem, adorado por todos e respeitado pelo nível de aprendizagem espiritual que conseguira, Siddharta é visto como um futuro príncipe da sabedoria, principalmente pelo seu amigo Govinda. No entanto, e tal como acontece em determinado momento das nossas humildes vidas, não encontra alegria, sente-se desencorajado e mal-amado.
A sua demanda encoraja-o a abandonar o lar com o amigo, com permissão do seu pai arrancada a ferros. Junta-se aos samanas, segue em peregrinação, e aprende o jejum — analogia ao “vazio interior” tremendamente bem conseguida pelo autor. O caminhante procura despojar-se de si mesmo através dos ensinamentos do grupo, em processos de “transferência de alma” para animais e objectos, passando a ser e sentir como eles.
Três anos após, a personagem principal desintegra-se novamente, tal fénix que regressa às cinzas de onde proveio — esta génese acontece várias vezes a Siddhartha, tal como em cada um de nós —, e abandona o clã por concluir que está fugir de si mesmo. Define muito bem o próximo destino: Buda. Apesar de o seu amigo decidir manter-se com as doutrinas budistas, Siddhartha permanece céptico: abandona Govinda e Buda. Segue com novo destino, com a conclusão de que a verdadeira iluminação provém da “vivência”, não de uma qualquer doutrina — talvez a conclusão a que chegamos quando em estado de verdadeira aceitação.
A caminhada prossegue com capítulos que descrevem um despertar, a travessia de um rio, um barqueiro, e outros intervenientes no final que se vêm mostrar surpreendentemente reveladores, embora a sua descrição possa dar origem ao que a gíria moderna apelida de spoilers. Acrescento apenas que pode ser um daqueles livros que nos faz pensar, mudar de vida, que nos transmite a sensação de paz e a certeza de que tudo ficará bem, mais cedo ou mais tarde. O autor germânico consegue uma narração exemplar que aprisiona o leitor às páginas, não só pela história, como pelos elementos “novidade” que vão sendo introduzidos.

Na minha opinião, emocionante!

Pedro Almeida Maia

Patrícia Carreiro é formada em Comunicação Social e Cultura, pela Universidade dos Açores.
É colaboradora do jornal Açoriano Oriental. Já escreveu o romance A Distância que nos Uniu, com a chancela das Edições Macaronésia, o qual foi lançado em Novembro de 2009.
Em 2011, lançou o seu primeiro livro infantil de nome Amizade a branco e preto, numa iniciativa da Associação Ilha em Movimento, com a marca da Publiçor.
O seu objectivo na literatura é continuar – sempre e sempre mais – até se fartar de escrever (o que tem quase a certeza que não acontecerá).
Enquanto jornalista já passou pela RDP e RTP Açores, Expresso das Nove e Jornal Diário.com.
Coordena o projecto EscreVIVER (n) os Açores.
O seu futuro – acredita – será ela a construí-lo. O seu futuro – tem a certeza – está nas suas mãos. O seu futuro – sabe – está a ser construído, com muita e muita garra.


"A rapariga que roubava livros", de Markus Zusak.

Os livros são, desde sempre, um fascínio. Adoro o mais básico de um livro: a sua forma, a textura, o cheiro.
No entanto, é a história o que, logicamente, mais me prende.
O livro que acima referenciado fala de duas grandes paixões: a 2ª guerra mundial e o amor aos livros. A menina do livro é apaixonada por livros, mesmo sem saber ler. Quando começa a saber ler, claro que a paixão aumenta. O ritmo do livro é inebriante.
Nesta história, sentimos o devastar daquela guerra em cada curva que aquela pobre menina faz com os seus amigos enquanto vai para a escola ou quando regressa a casa. A precariedade da sua vida era um motivo suficiente para que ela fosse triste e se sentisse só, mas ela encontra o brilho que a sua vida precisa nos livros. Sim: e rouba-os.
Há quem diga que roubar para comer não é pecado. Se calhar roubar para ler também não.
Mas é verdade: ela rouba livros para ler, porque não os pode comprar e acaba por se tornar numa pessoa fascinante.
Escolhi este livro exactamente por isso: para mostrar como é possível os livros mudarem a vida das pessoas.
Leiam este livro: vale mesmo, mesmo a pena.

Patrícia Carreiro

Blogger Templates by Blog Forum