“Se Isto é Uma Mulher” de Sarah Helm (Opinião)
08/02/2018 by Lígia
Sinopse:
Numa manhã soalheira no mês de maio de 1939, um grupo de
cerca de oitocentas mulheres foi conduzido em marcha forçada pelos bosques até
um local a noventa quilómetros a norte de Berlim. O seu destino era
Ravensbrück, um campo de concentração concebido só para mulheres por Heinrich
Himmler, o líder da SS e principal arquiteto do genocídio nazi. Durante
décadas, a história de Ravensbrück permaneceu oculta atrás da Cortina de Ferro,
e ainda hoje continua a ser pouco conhecida. Sarah Helm, num meticuloso
trabalho de pesquisa e recolha de informação até então perdida ou de difícil
acesso, abre-nos finalmente as portas deste lugar sombrio. Através de
testemunhos descobertos após a Guerra Fria e de entrevistas com sobreviventes
que nunca antes tinham partilhado a sua experiência, a autora dá-nos a conhecer,
além dos horrores mais impensáveis praticados pelo regime nazi, vários exemplos
notáveis da incrível tenacidade do espírito humano.
Opinião:
Já
perdi a conta do número de livros que li sobre a segunda Guerra Mundial e o Holocausto.
Pensava eu que até estava mais ou menos bem informada sobre este tema (tema
este que me deixava sempre muito impressionada e horrorizada), até ao dia que
peguei neste livro… “Se Isto é Uma
Mulher” não se trata de mais um romance… trata-se de um trabalho de pesquisa e
recolha de informação, onde a autora nos dá a conhecer ainda mais horrores
praticados no regime nazi e onde numa corrida contra o tempo reuniu os
testemunhos de algumas sobreviventes.
Sobre este tema, foi a obra em que mais impressionada
e revoltada fiquei, aconselho vivamente a sua leitura. Vários factos aqui
descritos deixaram-me de tal maneira horrorizada e impressionada que por vezes
tive pesadelos… vão achar que me impressiono facilmente… não digo que não… mas
peguem neste livro, leiam-no e no fim, digam-me o que sentiram…
Vou transcrever várias partes do livro, para de uma
forma muito sucinta saberem um pouco mais do que se trata este livro, preparem-se
porque esta opinião vai ser muito extensa, mas garanto-vos que não se vão
arrepender.
A intenção inicial da autora, era contar a história de
Ravensbrück (um campo de
concentração concebido só para mulheres) através da voz das próprias mulheres, por isso a primeira tarefa da autora
foi encontrar as últimas mulheres sobreviventes.
“Ravensbrück foi o único campo de concentração construído
especificamente para mulheres. O campo tomou o nome da pequena vila adjacente à
cidade de Fürstenberg e situa-se a cerca de oitenta quilómetros a norte de
Berlim, junto à estrada para Rostock, na costa báltica da Alemanha.
As mulheres que chegavam à noite julgavam por vezes estar
perto da costa, porque sentiam o sal no vento; por vezes, sentiam também areia
debaixo dos pés. Quando amanhecia, viam que o campo tinha sido construído na
margem de um lago e que estava rodeado por uma floresta. Himmler gostava que os
seus campos de concentração se localizassem em zonas de beleza natural e que,
de preferência, não estivessem ao alcance da vista. Atualmente, o campo de
concentração continua a não estar ao alcance da vista; os crimes horrendos ali
perpetrados e a coragem das suas vítimas permanecem ainda, em grande medida,
desconhecidos.”
“Nos anos 1950, com o início da
Guerra Fria, Ravensbrück ficou por trás da Cortina de Ferro, que dividiu as
sobreviventes — do Leste e do Ocidente — e separou a história do campo de
concentração em duas partes.
Fora da vista do
Ocidente, o local tornou-se um santuário das heroínas comunistas do campo de
concentração, sendo os seus nomes dados a ruas e a escolas por toda a Alemanha
de Leste.
Entretanto, no
Ocidente, Ravensbrück literalmente desapareceu de vista. As sobreviventes do
Ocidente, os historiadores e os jornalistas nem sequer podiam aproximar-se do
local. Nos seus países de origem, as ex-prisioneiras deparavam com dificuldades
para verem as suas histórias publicadas. O acesso às provas era difícil. As
transcrições dos julgamentos de Hamburgo tinham sido classificadas como
«secretas» e encerradas trinta anos antes.”
“Ravensbrück entrou em
funcionamento em maio de 1939, pouco menos de quatro meses antes da eclosão da
guerra, e os Russos libertaram-no seis anos mais tarde — foi um dos últimos
campos de concentração a que os Aliados chegaram.”
“No primeiro ano,
contava com menos de 2000 prisioneiras, quase todas alemãs. Muitas tinham sido
detidas por se oporem a Hitler — comunistas, por exemplo, e testemunhas de
Jeová, que chamavam Anticristo a Hitler. Outras foram detidas simplesmente
porque os nazis as consideravam seres inferiores e queriam removê-las da sociedade:
prostitutas, criminosas, mulheres sem-abrigo e ciganas. Mais tarde, o campo de concentração
viria a receber milhares de mulheres capturadas em países ocupados pelos nazis,
muitas delas pertencentes à resistência. Para lá, também eram levadas crianças.
Uma pequena percentagem das prisioneiras — cerca de dez por cento — era judia,
mas o campo não foi formalmente designado como um campo de concentração para
judias.”
“Para obter os melhores
conselhos sobre câmaras de gás móveis. Em março de 1945, ele e Suhren talvez
tenham debatido a melhor maneira de exterminar as mulheres por gás em camiões.”
“Odette Sansom, ainda
detida como refém na sua cela no bunker,
viu prisioneiras vivas a serem conduzidas para o crematório. «Eu ouvia-as
gritar e debater-se e ouvi as portas da fornalha a abrirem-se e a fecharem-se.
Depois não voltei a ver as mulheres.»”
Choca-me
que se reúnam e partilhem ideias de como matar outro seres humanos… é quase
como quando nos encontramos com alguém na rua e combinamos um cafézinho e
conversamos as últimas traquinices dos nossos filhos. Algo que para eles é
normal, e que não deveria ser, como se fosse normal uma conversa dessas, em vez
de ser algo chocante e selvagem. O que é que separava esses seres Humanos de um
animal selvagem, que apenas é assim, porque tem o extinto de sobrevivência? Não
encontro essa fronteira… e não consigo entender… quanto mais leio sobre esta
época, quando penso que estas leituras não vão acrescentar nada de novo ao que
já tenho conhecimento, algo diferente fico a saber e o choque é cada vez maior…
Como
é que algumas pessoas sabiam o que se passava e faziam de conta que estava tudo
bem? Como é que se deixou que se chegasse a esse ponto? Eu sei que agora é
fácil julgar, que muitas pessoas não acreditavam que tal crueldade acontecesse…
Mas como é que deixaram que tal decorresse por tantos anos? Porque é que certas
pessoas se acham perfeitas, e o que para elas é imperfeito tem de ser extinto?
Penso
que estas questões nunca terão resposta, porque tais actos não têm resposta,
não têm desculpa, não têm qualquer justificação…
“Ao contrário das fases
iniciais do extermínio, contudo, esta matança final não tinha «objetivo»,
porque o projeto de criação de uma raça superior tinha sido abandonado. Por
conseguinte, as prisioneiras de Ravensbrück — velhas, jovens, de nacionalidades
diferentes, não judias e judias, sem nada a uni-las a não ser o facto de serem
mulheres — foram assassinadas para desocupar espaço. A seguir, foram
assassinadas porque as suas pernas não eram suficientemente boas para
acompanharem a marcha da morte. Na realidade, aqueles extermínios finais
aconteceram porque os exterminadores não conseguiam parar. Não se tratou de uma
atrocidade marginal: foi no que acabou o horror nazi — com o assassínio em
massa de mulheres com a maior bestialidade, sem a desculpa de uma ideologia,
por mais obscena que ela fosse, sem qualquer razão.”
“Quando o Exército
Vermelho atravessou para a Alemanha, porém, a disciplina dos soldados
desmoronou-se. Incitados por gritos de vingança, um milhão de frontiviki [tropas da linha da frente] bêbedos
começou a saquear, a assassinar e a violar. «Estão a acontecer coisas horríveis
às mulheres alemãs», escreveu Grossman, que mostrava clara repugnância pelas violações,
apoiadas por muitos oficiais de alta patente. As tropas violavam as mulheres e
voltavam a violá-las. «Um alemão com estudos está a explicar em mau russo que a
sua esposa já foi violada por dez homens hoje», escreveu Grossman. Uma mãe que
ainda amamentava contou que tinha sido violada num celeiro. «Os parentes dela
vieram pedir aos seus atacantes que a deixassem fazer um intervalo, porque o
bebé, cheio de fome, estava a chorar o tempo todo.» As tropas soviéticas não
violaram só mulheres alemãs. Violaram polacas, francesas e até soviéticas que
se atravessassem no caminho dos frontiviki.
Essas vítimas eram usualmente jovens trabalhadoras escravas trazidas para ali
para trabalharem em quintas e em fábricas alemãs.”
“«Os Alemães nunca
violaram as prisioneiras, porque nós éramos porcas russas, mas os nossos
próprios soldados violaram-nos. Ficámos indignadas por eles se comportarem
assim. Estaline tinha dito que nenhum soldado devia ser feito prisioneiro, por
isso eles sentiam que podiam tratar-nos como lixo.»”
“Nos anos do
pós-guerra, os principais historiadores pouco fizeram para investigar
pormenorizadamente as histórias dos campos de concentração, preferindo teorizar
sobre a liderança nazi e a sua subida ao poder em vez de contar o que
acontecera no terreno. O campo de concentração para mulheres — sempre numa
posição inferior na hierarquia da SS — não tinha qualquer espécie de interesse
para os historiadores, particularmente porque não existiam documentos oficiais;
a história oral não era digna de confiança. Na sequência do julgamento de
Eichmann em 1961, no entanto, surgiu um novo interesse pelos campos de morte
judeus e as obras sobre o Holocausto começaram a multiplicar-se. Mas isto, por
sua vez, pareceu empurrar para segundo plano os campos de concentração sediados
na Alemanha. No final dos anos 1960, certos historiadores em busca de novas
narrativas começaram a questionar a existência de câmaras de gás em Ravensbrück.
As sobreviventes de Ravensbrück sentiram-se desesperadas.”
“Ravensbrück recebe
agora 150 000 visitantes por ano, embora o seu campo irmão de Sachsenhausen,
mais perto de Berlim, receba muitos mais — e, por consequência, também mais dinheiro.
«Nós estivemos sempre nas margens da história», diz Insa Eschebach, diretora do
espaço memorial. Tem havido muitas desculpas para marginalizar este campo: a
sua escala era menor do que a de muitos outros; não se encaixava facilmente na narrativa
central; os documentos do campo de concentração tinham sido destruídos; estava
escondido por trás da Cortina de Ferro; as prisioneiras eram só mulheres. No
entanto, é precisamente porque se tratava de um campo de concentração só para
mulheres que Ravensbrück deveria ter sacudido a consciência do mundo. Outros
campos mostraram o que a humanidade era capaz de fazer aos homens. Os campos de
morte judeus mostraram o que a humanidade era capaz de fazer a toda uma raça.
Ravensbrück mostrou o que a humanidade era capaz de fazer às mulheres. A
natureza e a escala das atrocidades infligidas ali às mulheres nunca antes
tinham sido vistas.
Ravensbrück não deveria
ter de lutar «nas margens» por uma voz: foi — e é — uma história por direito
próprio.
Os nazis cometeram
também atrocidades contra mulheres em muitos outros locais: mais de metade dos
judeus assassinados nos campos de morte eram mulheres, e perto do fim da guerra
as mulheres foram detidas em vários outros campos de concentração. Mas tal como
Auschwitz foi a capital do crime contra os judeus, assim também Ravensbrück foi
a capital do crime contra as mulheres. Profundamente enraizada na nossa memória
coletiva, em todas as obras sobre todos os períodos e sobre todos os países, as
atrocidades contra mulheres provocaram sempre o maior horror. Ao tratar o crime
que aconteceu aí como marginal, a História comete mais um crime contra as mulheres
de Ravensbrück e contra o sexo feminino.”
“Deveríamos sem dúvida «meditar»
no que aconteceu em Ravensbrück e também dar a este campo de extermínio de
mulheres o nome e o lugar na História que lhe são devidos. Em Nuremberga,
Robert H. Jackson disse que a conspiração nazi «definia um objetivo e depois de
o atingir partia para um objetivo mais ambicioso». Ravensbrück, que se manteve
em funcionamento ao longo de toda a guerra, é um prisma útil através do qual
observar a evolução desses objetivos. O campo de concentração ajudou Hitler a
atingir alguns objetivos iniciais: a eliminação de «associais», criminosas,
ciganas e outras bocas inúteis, incluindo as inaptas para o trabalho; o
primeiro grupo dessas mulheres foi exterminado na câmara de gás de Bernburg,
uma atrocidade sobre a qual o mundo atual não sabe praticamente nada. Ravensbrück
desempenhou igualmente um pequeno papel no «objetivo mais ambicioso» — a
aniquilação dos judeus —, fornecendo guardas e Kapos à secção feminina de Auschwitz. Nas
semanas finais da guerra, Ravensbrück ocupou um lugar na ribalta, tornando-se o
palco do último grande extermínio por gás realizado em campos de concentração
nazis antes do fim da guerra.”
As atrocidades deviam ser conhecidas, para que o homem não voltasse a cometê-las, mas sabemos que isso não se passa assim. Infelizmente. Tenho esse livro comigo que ganhei uma vez de um passatempo vosso e ainda não consegui pegar-lhe com receio do que iria ler. Depois de ler esta opinião, mais me convenci que não vou conseguir ler. Só me resta desejar, esperar (e eu tenho fé nisso) que todos seremos julgados e recompensados pelos nossos atos e sofrimentos.
Olá Maria João.
Compreendo perfeitamente que não consiga ler esta obra...
O pior é que o tempo passa e a maioria não aprende com os erros outrora cometidos.
E acredito sinceramente que todos somos recompensados ou não, pelo bem ou o mal que fazemos aos outros.
Bom fim-de-semana.
Beijinhos
Olá!
Li este livro há uns 2 ou 3 anos (não estou bem certa) e impressionou-me bastante! Costumo ler sobre o holocausto mas este livro foi o livro mais duro que li e mexeu tanto comigo!
Para quem gosta do tema é um livro que recomendo sempre mas é mesmo muito difícil de ler.
Se quiseres, podes ler a minha opinião aqui
Boas leituras
Olá Tita.
Já li a tua opinião, obrigada por teres deixado o link.
"Engraçado" que senti e fiz o mesmo que tu, fui intercalando este livro com outros, tal era o mal estar e a revolta em que ficava.
Terminei no domingo "Os meninos que enganaram os nazis", e já li imenso sobre o holocausto, mas nenhum me chocou tanto como este.
É muito duro saber que um ser humano pode fazer tanto mal a outro, só porque sim.
Beijinhos e boas leituras.