“Ensaio sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade)” de Rute Simões Ribeiro (Opinião)
13/09/2017 by Lígia
«Ensaio sobre o Dever
(Ou a Manifestação da Vontade)», de Rute Simões Ribeiro, é o
primeiro romance desta escritora portuguesa e foi uma das cinco
obras Finalistas do Prémio LeYa 2015, com o título que recebeu
originalmente, "Os Cegos e os Surdos".
Com uma escrita e um
imaginário fundados em José Saramago e Alfred Hitchcock, este livro enquadra-se
dificilmente num género literário, desvinculando-se de limites normativos que
pudessem condicionar a narrativa. Refletindo, com grande subtileza, um dos períodos
mais conturbados da história mundial, a autora desenvolve uma teia de
personagens e de eventos insólitos, sociológicos e políticos, que o leitor
consegue imaginar poder passar-se na atualidade, exibindo um profundo domínio
sobre as palavras e um particular sentido de humor.
Sinopse:
Os cidadãos do mundo
inteiro são chamados a tomar uma decisão por uma entidade desconhecida. Têm de
escolher um sentido apenas, «a saber», pode ler-se na misteriosa mensagem,
«visão, audição, olfacto, tacto, paladar, com exclusão do apelidado sexto
sentido, dado que, neste último caso, é o sentido que escolhe o portador, em
caso algum podendo ocorrer o inverso». Receando o impacto da escolha livre na
organização da sociedade, o governo decide obrigar os cidadãos eleitores a
escolherem o sentido determinado em conselho de ministros, sob pena de
penalização no rendimento, chamando as pessoas, em nome da nação, ao exercício
de um dever colectivo de reorganização após a «extracção dos sentidos». Perante
a ordem do governo, os partidos da oposição apresentam moções de censura e os
auto-apelidados «guerrilheiros da liberdade» formam «brigadas dos sentidos»,
ainda que acabando estas por «forçar as pessoas a serem livres». Três
personagens principais entrecruzam-se na história, um primeiro-ministro, um
guerrilheiro da liberdade e uma mãe, partilhando, de algum modo, sentimentos de
dever e de vigilância constante. Após a instituição de novos hábitos, ajustados
à nova «ordem de sentidos», o primeiro-ministro depara-se com um inusitado e
perturbador pedido do país vizinho, em nome de um antigo acordo a que está
vinculado.
Opinião:
Confesso que ao ler a sinopse desta
obra, como diz que esta autora tem uma escrita e um imaginário fundados em José
saramago, achei que ia ser um misto e talvez uma “cópia” das ideias de Saramago,
de duas das suas obras. O “Ensaio sobre a Cegueira” já que se trata de cada um
dos cidadãos escolher e viver apenas com um dos 5 sentidos e o “Ensaio sobre a
Lucidez”, porque se fala na atitude do governo e dos políticos em geral.
No decorrer da narrativa
apercebi-me que apenas a conjugação destas duas ideias (talvez tenham sido a
semente desta obra), faziam lembrar Saramago.
Ao longo desta leitura
compreende-se perfeitamente porque foi um dos cinco finalistas do prémio Leya,
não se compreende é porque nenhuma editora “agarrou” esta obra e a publicou.
Estamos perante uma narrativa
muito diferente do usual, nada de vulgaridade na sua escrita, a autora brinca com
as palavras sem medo, com um vocabulário super rico, e a cada página nos surpreende
mais. Na verdade tudo é rico nesta obra, desde as personagens, às ideias
colocadas ao longo da narrativa, assim como o desfecho.
Faz-nos pensar como seria se tivéssemos
de passar por algo semelhante (isto sem dúvida que é algo idêntico a Saramago,
o fazer-nos pensar e o interrogar-nos sobre tudo).
E se um dia cada um de nós tivesse
de viver com apenas um dos sentidos? Será que nos conseguiríamos organizar e
entreajudar sem que isso nos fosse exigido/imposto? Ou seria um “salve-se quem
poder”, cada um por si e que sobreviva o mais forte?
Estou certa que esta autora tem
muito para nos dar, e espero que no futuro nos presenteie, com muitas mais
obras. Obras diferentes como esta, que não se vulgarize, só porque por vezes o
vulgar vende mais.
Estive muito tempo a olhar para
esta página, sem saber se deveria escrever o que costumo dizer sobre José Saramago,
Afonso Cruz e Valter Hugo Mãe! Que o “gosto” pelas suas obras é de extremos, “ou
se gosta mesmo muito ou se detesta”, e penso que com a Rute Simões Ribeiro é
algo assim.
Parece uma excelente obra!
É sem dúvida :)
Fiquei curioso, gosto de livros sobre os temas tratados
Olá Eugen.
É muito boa esta leitura, vale muito a pena. ;)
"Sobreviver só com 1 sentido?... Salve-se quem puder?" Interessa-me, intriga-me, papel que vale a pena esfolhear