Sinopse
Para se deslocar ao laboratório de um velho professor com fama de homem da Renascença do nosso tempo, um técnico informático apanha um elevador, lento ao ponto de uma pessoa não saber se está a subir ou a descer. À chegada, é recebido por uma jovem bonita e rechonchuda. O programador segue atrás da mulher vestida de cor-de-rosa por corredores que nunca mais acabam e por caminhos subterrâneos, aspirando profundamente a fragrância de melão que a nuca dela exala. No entanto, nem sequer ouve o rumor da respiração e é como se as palavras que lhe saem da boca chegassem aos seus ouvidos através de uma espessa parede de vidro. Às tantas, parece-lhe que a jovem de formas arredondadas terá dito qualquer coisa como «Marcel Proust». Marcel Proust? Bem-vindos ao impiedoso país das maravilhas.
Numa pequena e fantasmagórica cidade, rodeada por uma muralha que a separa do resto do mundo, vivem seres humanos privados da sombra e dos sentimentos. Habituados desde há muito a conviver tranquilamente com a ausência de emoções, todos se mostram satisfeitos e em paz. Ninguém envelhece, ninguém morre. A que se deve tal proeza? Aparentemente, ao facto de não terem coração. Com efeito, as pessoas deixam de ter sombra mal passam a viver dentro das muralhas. A esta cidade nos confins do mundo chega um jovem de trinta e cinco anos, que tem por missão ler «os velhos sonhos» nos crânios dos unicórnios. Com a ajuda da bibliotecária, que revela um apetite prodigioso até dizer basta, o programador propõe-se recolher recordações e fragmentos de outras vidas, pertencente a uma outra possível dimensão.

Opinião
Fantástico. Ilusório. Hipnótico.
Há autores fabulosos. Ao lermos aquilo que têm para nos dizer, aquilo que conseguem criar, damos por nós a pensar algo do género "mais ninguém conceberia esta história". Murakami é isto. Tem inúmeros talentos e incontáveis qualidades. Mas há uma coisa que, indiscutivelmente, ele é. Murakami é único. Goste-se ou não, ele é como ninguém consegue ser. E eu adoro aquilo que ele produz e a essência das suas ideias.
"O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo" é uma história por vezes confusa - nomeadamente no
primeiro terço do livro -, muitas vezes surreal - principalmente no segundo terço -, mas quase sempre coerente - em toda a obra, embora com mais incidência no último terço. As ligações que o autor faz entre os personagens, entre as histórias paralelas que são narradas - uma mais real, outra mais surreal, embora as duas sejam ambas as coisas -, entre mundos diferentes são preciosas. Tão preciosas, autênticas e francas quanto só um autor que escreve com o coração - quem ler este livro perceberá esta associação - consegue ser.
Haruki Murakami tem um dom invulgar. É capaz de tornar possível o impossível. Esta característica é tão singular e tão extravagante que deveria ser obrigatório conhecer a escrita do autor. Deveria haver um decreto que obrigasse todo e qualquer habitante deste planeta - e não só - a conhecer a escrita deste magnífico escritor. E aí qualquer um deles poderia assumir não gostar de Murakami. Porque essa é também uma opção. Mas desconhecê-lo não deveria ser.
Quanto à história em si, custa a crer que foi escrita em 1985. É admirável porque é incrivelmente actual. Impressiona mesmo o facto de o autor prever uma sociedade dependente da tecnologia. É quase tão surpreendente quanto o jogo psicológico permanente, entre o consciente e o inconsciente, entre a dúvida e a aceitação, entre a divindade e a vulgaridade.
Brilhante é este livro. Absolutamente brilhante.

4 comentários:

    "É capaz de tornar possível o impossível" dizes tu e dizes muito bem. Murakami é fabuloso. Antes de me aventurar em MURAKAMI considerava Auster imbatível. Agora considero Auster e Murakami imbatíveis; Auster mais realista, Murakami maravilhosamente surrealista

     

    Murakami é o meu autor preferido há anos <3 Este é um dos que ainda não li, mas tenho-o cá em casa há espera do momento certo para começar :)

     
    On 27 março, 2016 J. disse...

    Gostei bastante da opinião. O livro vai para a wishlist!

    Boas leituras.

     
    On 29 março, 2016 Vasco disse...

    :)

     

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