No dia Mundial da Poesia

Endechas a Bárbara Escrava
.
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões

6 comentários:

    Lindíssimo!
    No Dia Mundial da Poesia deixo aqui a minha partilha...

    «Se acariciasse o sonho
    ou apenas um filamento
    da figura que nunca se desnuda
    porque está sempre atrás dos olhos
    se pudesse abraçar o corpo que ignoro
    talvez o corpo do meu corpo
    que reside entre a separação e o encontro
    se pudesse atravessar a fronteira
    entre o incompleto e o completo
    se pudesse anular a torpeza irredutível
    em que se afunda o mistério mais puro
    se pudesse penetrar de um salto
    no centro dessa rosa obscura
    de que a palavra nunca será o espelho
    se pudesse ser a balança flexível
    do astro que sorri às vezes sob a água
    e a que chamamos anjo
    porque tem o aroma do horizonte
    se pudesse ser a palavra exacta e viva
    do seu rosto transparente inclinado e leve
    se pudesse inverter o movimento do poema
    e beber a própria sede do náufrago inocente
    poderia construir um templo completamente vazio
    e tocar o extremo puro do que não existe»
    in «Os Animais do Sol e da Sombra seguido de O Corpo Inicial», de António Ramos Rosa

    Boas leituras poéticas! :)

     

    Lindo,Lindo. Venha conhecer o meu Blog e se gostar seja minha seguidora também. 1001 Abraços fraternos

     
    On 21 março, 2010 Paula disse...

    Tons de Azul,
    Obrigado pela partilha. Adorei :)

    1001 Contos,
    Olá, sê bem vinda, vou já espreitar o blogue ;)

     
    On 21 março, 2010 José Gomes disse...

    "Esta é a cativa
    Que me tem cativo"... lindo!!!
    Então a Paula gosta de Camões?
    TAMBÉM EU.
    Ele é tão conhecido pelos Lusíadas que às vezes esquecemos a sua poesia lírica, que é maravilhosa.
    Bom dia da poesia para si, Paula.

     
    On 21 março, 2010 Paula disse...

    José Gomes,
    Gosto de Camões sim, é difícil ficar indiferente à sua poesia :)
    Um abraço

     
    On 17 abril, 2010 intertextualidade disse...

    BÁRBORA NÃO

    Cantando o poeta em sua escora
    levara na fadiga antiga vinha.
    Ó moço que no leito discorres, cuida,
    arde para que sinal torne tua amiga.
    Contando que a viu em face distinta,
    sua companheira sorriu somente.
    Vai com ele na doce peia que mais não
    pode viver se sabe. Amor, disse, e apôs
    seu nome, sua ventura.
    Então a doce morena mordeu o lábio,
    mais rica, mais leve na canela.
    Porte esguio que a alma aquece.
    Com vagar sorriu, deitou olhar e
    co’as mãos já humedecidas as escondeu.
    “Fico grato, concretamente, de seu fastio
    ou de seu intento.” Calou. Sorriu.
    Sorriu somente.

    José Maria de Aguiar Carreiro
    Folha de Poesia, Junho de 2007
    http://sol.sapo.pt/blogs/josecarreiro/archive/2007/06/10/camoes.aspx

     

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