Conto Inédito - Perfeitos Estranhos (Parte IV)
31/07/2014 by Vasco
PERFEITOS ESTRANHOS
(Parte IV)
ADEGESTO
A
primeira vez que ela sorriu daquele jeito só seu fiquei encantado. Foi logo após o nosso
segundo encontro. Tínhamos saído daquele nevoeiro e ficámos onde
podíamos estar, num quarto enfiado nas traseiras de uma pensão de
aspecto duvidoso. Assim que entrámos, eu acendi a luz e mal me
voltei Maria estava lá, especada, olhando para mim. Os seus lábios
rosados estavam bem esticados e firmes, bem fiel ao seu, e nosso,
estado de espírito. Nesse momento, vi-a e julguei-a perfeita. E o
mundo abalou. Maria estava a ser, aos meus olhos, aquilo que não
desejava ser perante opinião alheia.
Devolvi-lhe o sorriso, mas vi no seu
rosto que se tinha apercebido que o meu sentimento não era de
felicidade total.
Ainda assim, aceitou-me como sou. Veio
ao meu encontro, agarrou nas minhas mãos e envolveu-as em volta da
sua cintura. Colou o corpo ao meu e eu senti toda a forma do seu
tronco a moldar-se a mim, como se tivéssemos sido feitos um para o
outro. Ela estava quente e os nossos olhares voltaram a cruzar-se.
Foi um momento mágico, ainda mais do que quando o fizemos anos
atrás. Senti o seu coração bater no peito, querendo saltar de
dentro dela para se juntar ao meu, e apreciei o seu hálito doce
sempre que expirava. Encostei o meu nariz ao seu e gemeu. As nossas
caras bailaram uma na outra até que Maria me agarrou o cabelo com
ambas as mãos. E beijou-me surpreendentemente. De repente uma
energia apoderou-se de mim como eu nunca havia sentido. Era como se a
massa do meu corpo tivesse deixado de existir de um momento para
outro. Levitei em chamas e quase explodi de alegria. Pensei por
momentos não aguentar tamanha intensidade.
Foi então que a língua de Maria se
desprendeu da minha e eu abri os olhos. Ela sorria ainda mais e eu
percebi que estávamos sentados no chão, numa posição estranha,
como se as nossas pernas tivessem derretido, perdendo toda a força
que costumavam ter.
Abraçados no chão, voltámos a
beijar-nos enquanto nos despíamos lentamente. Ela lambeu as
cicatrizes de cada pedaço de carne que eu dilacerei ao longo do
tempo, como se as quisesse apagar de mim, erradicando-as de vez.
Por fim ficámos nus. O seu corpo tinha
as curvas vincadas e o cabelo ocultava-lhe os ombros. Não resisti e
puxei-a para junto de mim. Deixei-me cair de costas, trazendo-a
comigo. Encaixámos um no outro, numa sincronia perfeita.
E partimos para outro mundo.
Aquele era um momento único que
deveria ser eterno. Aquilo era o auge de tudo e daí em diante nada
poderia ser como tinha sido.
Maria voltou a sorrir ao mesmo tempo
que eu deslizei as minhas mãos pelo seu corpo, até ao pescoço.
Envolvi-o mas não o apertei. Até que as suas mãos foram ao
encontro das minhas.
E a minha vida ficou completa naquele
instante. Quando os nós dos seus dedos suplicaram aos meus que
fizessem o que tinha de ser feito.
Ela queria a diferença e eu
dar-lha-ia.
***
Uma IV parte que prima pela descrição de pormenores que colocam o leitor preso ao desenrolar da cena...na expectativa do que se seguirá.