Pedro de Sá é professor de Filosofia do ensino secundário. Desde muito cedo, sentiu o apelo encantatório dos livros. De Tolstói a Dostoiévski, de Kundera a Márai, muitas são as obras que o formaram enquanto homem. E também autores nacionais, sobretudo Pessoa e Vergílio Ferreira.
É autor, até ao presente momento, de dois romances: Olhei Para Trás e Sorri e Queria Rever o Teu Rosto ao Entardecer, ambos sob a chancela da Chiado Editora.




A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera)
                                                                                                  Por Pedro de Sá

Em matéria de livros, assim como em outros contextos da vida, o singular tem dificuldade em entrar. Desse modo, quando a Paula, gentilmente, me desafiou para escrever acerca do Livro da minha vida, confesso a minha dificuldade. Logo me surgiram luminosos títulos que, de facto, fazem parte incontornável da minha biografia intelectual (desde A Náusea, de Sartre; As Velas Ardem até ao Fim, de Márai – cujo o título original é: Cinzas; A Pérola, de Steinbeck; Por Favor, não Matem a Cotovia, de Harper Lee – o único livro que escreveu; A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói; Noites Brancas, de Dostoiévski; Até ao Fim, de Vergílio Ferreira; mais recentemente, Na Praia de Chesil, de Ian McEwan; ou Nunca me Deixes, de Kazuo Ishiguro). E sem querer ser demasiado exaustivo, porque muitos outros títulos deveriam figurar entre os supracitados, a minha escolha recaiu no livro que, até hoje, mais me deslumbrou sob todos os aspectos: A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.

Para começar, o título, no meu entendimento, é o mais belo da história da literatura. Não só pela sua aparente antítese, mas pela relação desta com o profundo conceito de Ser. O livro começa com uma questão: e se o postulado nietzschiano do Eterno Retorno fosse uma realidade? Por outras palavras, se cada um de nós estivesse condenado a reviver a sua vida, com cada instante de dor e de alegria, ad aeternum, como seria? Esta é uma questão que, sem dúvida, encerra, em si mesma, um abismo de reflexões de ordem vária. Por conseguinte, o romance inicia-se com um convite à reflexão. De seguida, são-nos apresentadas as personagens centrais: Tomás e Teresa. Tomás, a aparente força que se revela fraqueza; Teresa, a aparente fraqueza que se traduz em força. É com estas dicotomias: força/fraqueza; peso/leveza; corpo/alma, que Kundera tece este magistral romance, que, no fundo, nos devolve o espelho da nossa complexa essência. Muitos quiseram apelidar este livro de romance geracional. Um erro de uma grosseria sem precedentes. Este é, claramente, um livro rumo à eternidade. Porque, apesar de o seu contexto assentar na Primavera de 68 em Praga, as temáticas kunderianas são universais.

Philip Kaufmann adaptou este romance ao cinema, com os brilhantes Daniel Day Lewis e Juliette Binoche. Apesar de se tratar de um belíssimo filme, neste caso, como em muitos outros, fica bastante aquém do livro.

Li este livro há cerca de 13 anos. Foi o meu segundo livro de Kundera. O primeiro foi A Imortalidade. É, de facto, um dos meus autores de eleição. Li a sua obra na totalidade: tanto a romanesca, como a ensaística. Como imagem autoral, Kundera divide os seus livros em 7 partes. Naturalmente, este não foge à regra. Ainda hoje, subsistem imagens vívidas deste livro, e, sempre que alguém pronuncia a palavra anacrónica, sorrio.

A tristeza queria dizer: estamos na última paragem. A felicidade queria dizer: estamos os dois juntos. Estas duas frases surgem muito perto do final. Não quis, nesta minha breve recensão, desvelar em demasia a história. Porque, como em todos os grandes livros, acaba por ser o menos significativo. O que fica, manifestamente, das grandes obras, é uma outra forma de olhar a realidade. Um novo despertar. Como se fôssemos, novamente, apresentados ao mundo. Não sei se estamos todos numa última paragem. Se estivermos, que olhemos para a felicidade próxima. Pode ser que, como sugere Kundera, se ouçam violinos por perto e alguma borboleta levante o seu voo.

5 comentários:

    On 14 março, 2012 Paula disse...

    Olá Pedro,
    De Milan Kundera apenas li "Identidade" e confesso que não me rendi à sua escrita.
    Porém, com este seu texto vou ter de tentar de novo :D e com este livro claro!

     

    Pretendo lê-lo em breve, e esse texto só atiçou mais a minha vontade/curiosidade!
    Paula, é verdade, fiquei bastante tempo afastado dos blogues, mas estou voltando aos poucos. Não tenho tido tempo como antes para escrever, mas pelo menos o blogue de viagens tenho mantido atualizado... Obrigado pelo carinho! Abraços!

     

    Boa tarde,

    também considero este o meu livro preferido! Conseguiu retratar muito bem a impressão com que se fica da leitura deste livro! Foi a minha primeira leitura de Kundera e desde então li quase todos os restantes livro de Kundera. Digo "quase" porque gosto de pensar que ainda tenho mais livros de K. para ler e deliciar-me na sua descoberta...!

     

    Um livro que pretendo ler.
    Do autor li "O livro do riso e do esquecimento", que gostei imenso.

     
    On 13 janeiro, 2017 Dulce disse...

    Aqui está um livro que não gostei nada.:(

     

Blogger Templates by Blog Forum